domingo, 31 de agosto de 2008

Sara.

Sara sentara-se no banco sobre as rodas do ônibus. Seus favoritos, os mais altos que ficam no fundo do veículo, já estavam quase todos ocupados, e ela não se sentia à vontade a ponto de sentar-se entre aqueles estranhos. Não naquele dia.

O horário do intervalo, a discussão com Bárbara, os olhares furtivos de Rafael. Os acontecimentos da manhã passavam apressados por seu pensamento, enquanto afastava a franja do rosto, que lá fora parar depois de discutir um pouco com a brisa que soprava da janela aberta sobre o banco à frente da garota. Sara tinha quinze anos.

Era uma menina comum. Ou pelo menos era o que ela pensava. Tinha mãos delicadas, um sorriso cativante e uma dificuldade tremenda em matemática. Os anéis castanhos formados pelos cabelos displicentemente penteados para trás caíam sobre as espáduas e brilhavam intensamente sob o sol que passava através da janela do ônibus. Era quinta-feira.

Quinta-feira era dia de macarronada. Sara encontraria o irmão mais velho – já fazia faculdade, o Jorge – para o almoço na casa da vó Lena. Jorge tinha uma namorada, a Fernanda. A Fernanda sempre ia almoçar com eles às quintas-feiras. Era um amor de pessoa (exceto nos momentos em que ouvia jazz, mas essa é uma outra história).

Sara foi despertada repentinamente desses pensamentos por um enorme falatório e o barulho da catraca girando. Repetidas e repetidas vezes. Havia um ônibus quebrado bem em frente ao que ela estava, e não foi difícil imaginar de onde vinham tantos passageiros, àquela hora em que normalmente não havia muitos deles.

Entre esses tais passageiros, havia uma senhora muito magra e desajeitada, carregada de sacolas nos ombros e segurando uma caixa de papelão nas mãos. Era uma caixa dessas de alimentos, meio velha e rústica, e a senhora a segurava com muita, muita firmeza. Sara se ofereceu para ajudá-la, pensando ser pesada ou conter algo de valor para a mulher.

Com recomendações e mazelas, a velha postou a caixa no colo da menina, que voltou a perder-se em pensamentos. A macarronada da vó Lena. A massa al dente e o molho feito na hora. Ah, o molho... com almôndegas... podia até sentir o cheiro! E então, voltou a si; o ponto em que deveria descer se aproximava e ela precisava devolver a caixa para a mulher. A mulher. Cadê a bendita da mulher da caixa?

Sara precisava encontrar a velha do ônibus. A caixa pertencia a ela. Resolveu descer do ônibus e abrir a tal caixa depois, para ver se havia algo que a levasse até a dona. Mas... será que ela poderia? Ela estaria invadindo a privacidade da mulher, afinal. Andara estudando essas coisas de público e privado no colégio, sabia o que estava pensando.

Uma menina caminhava para casa com uma caixa de papelão debaixo do braço. Só uma menina.

8 comentários:

Felipe Held disse...

Esses dias ajudei uma velhinha a pular um buraco (surreal, não?) e atravessar a rua. :)

Ela me falou um 'brigada' tão curtinho mas tão sincero e agradecido que me valeu o dia.

É bom sentir-se útil de vez em quando, sabe?

Camilla disse...

Ela podia é dar o lugar pra senhora sentar. Que falta de educação, hein...

E acho que ela nem precisava estudar no colégio pra saber que abrir a caixa seria uma invasão de privacidade haha

Beijoo

Renatinha disse...

a mulher desceu sem a caixa?
que absurdo!

Luara Quaresma disse...

Adorei o terceiro paragrafo (:

Tiffany disse...

eu me senti no seu texto!

a volta dentro do onibus é sempre boa pra pensar na vida x)

gostei do texto, bem diferente ^^

Mar e Ana disse...

Vc e suas histórias de onibus =p

:*

Rodrigo disse...

o que tinha na caixa?

Alessandra Castro disse...

Aff tem muita gente sem noção no mundo mesmo, estamos cada vez mais atolados de falta de educação.