O esmalte vermelho estava ainda fresco, tanto quanto a brisa que soprava lá fora. Os olhos marejados contemplavam a chuva que já não caía mais, e as palmas quentes se sujeitavam ao ar frio que vinha da janela aberta.
Ar puro. Inspirou o mais fundo que pôde, esquecendo a tosse que roncava no peito havia alguns dias. Havia muito mais lhe apertando o peito que a tosse seca de outono. A armação prateada dos óculos estava prestes a se partir, observou. Precisava ir até a ótica. “Armação”. A palavra em letras cursivas desenhou-se na tirinha de papel afixada com imã na geladeira, conduzida por uma ponta de grafite extremamente fina. Extravagâncias.
Extravagâncias. Sobre a mesa posta do café da manhã, despertava a pizza de rúcula, tomates secos e mussarela de búfala do dia anterior. Intocada. Faltava-lhe apetite, paladar, sabor, cor. Vida.
O toque estridente do telefone celular era inconfundível. Uma. Duas. Três. Quatro vezes. “Uma chamada perdida”, diziam os caracteres brancos na tela pequena de fundo azul. Impassividade.
A dor, a consciência, a vontade e o orgulho sombreavam a existência, quase que a ocultavam. Na sala, no apartamento gelado, na cidade acinzentada, na face da Terra, tudo se movia alheio à vontade daqueles olhos marejados, daqueles dedos com esmalte vermelho, daquele aperto no peito.
Quem reinava, soberana, era ausência. De apetite, de paladar, de sabor, de cor, de vida. Dela mesma.
Ar puro. Inspirou o mais fundo que pôde, esquecendo a tosse que roncava no peito havia alguns dias. Havia muito mais lhe apertando o peito que a tosse seca de outono. A armação prateada dos óculos estava prestes a se partir, observou. Precisava ir até a ótica. “Armação”. A palavra em letras cursivas desenhou-se na tirinha de papel afixada com imã na geladeira, conduzida por uma ponta de grafite extremamente fina. Extravagâncias.
Extravagâncias. Sobre a mesa posta do café da manhã, despertava a pizza de rúcula, tomates secos e mussarela de búfala do dia anterior. Intocada. Faltava-lhe apetite, paladar, sabor, cor. Vida.
O toque estridente do telefone celular era inconfundível. Uma. Duas. Três. Quatro vezes. “Uma chamada perdida”, diziam os caracteres brancos na tela pequena de fundo azul. Impassividade.
A dor, a consciência, a vontade e o orgulho sombreavam a existência, quase que a ocultavam. Na sala, no apartamento gelado, na cidade acinzentada, na face da Terra, tudo se movia alheio à vontade daqueles olhos marejados, daqueles dedos com esmalte vermelho, daquele aperto no peito.
Quem reinava, soberana, era ausência. De apetite, de paladar, de sabor, de cor, de vida. Dela mesma.
9 comentários:
Você tá de esmalte vermelho não tá?
Beijo e traz o Xerxes de aniversário pra mim!!
bom texto
parece meio 'auto-biográfico'
dferente do que vc costuma escrever... gostei!
adorei.
imaginei um quadro disso.
imaginei um quadro disso. [2]
quem mandou o título ser "retrato"?
Nossa, parece o começo daqueles filmes cults hauahau onde a personagem central se acha em caminhos estranhos =P
E fazia tempo que você não escrevia.
Bjos!
Você já reparou o quanto você não passa de uma menininha infantil "romantiquinha" - daquelas que qualquer pessoa com cérebro despreza - tentando parecer descoladinha e, o pior, escrever bem? Você já reparou o quanto vive a vida dos outros, ao invés de se concentrar na sua? Tanta inveja é sinal de vazio interior. E a julgar pela sua espera telefônica, você não deve ter nada mesmo. Se toca, toscona!
inssossa
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